13 de abril de 2010

palavras do Chelo

Recebi esse texto do meu amigo Marcelo (carinhosamente, Chelo) e achei pertinente colocá-lo aqui para que de tempos em tempos eu posssa lê-lo e refletir sobre.


Este é um texto desabafo que não tem compromisso de ter qualquer coerência ou eficácia na comunicação, apenas uma tentativa de tornar concreto algo que talvez possa refletir um estado momento, se reconhecer em sua fonte e diluir-se no mundo. Estou eu em mais uma noite de estudos, estudando alguma das coisas que de alguma forma tem sentido para mim e justificam a minha ação presente no instante. Sou surpreendido pela manchete do Jornal sobre o desastre em Niterói. Assisto todo o jornal até o fim, jornal com muitos entreatos de propagandas barulhentas, coloridas, a sua maioria vendendo carros. Carros, carros, carros. Termino de assistir o jornal sem reação, por alguns segundos paro no tempo numa espécie de não-pensamento pensante. Sensação. A rotina me faz meio que involuntariamente levantar e retomar as atividades, meu corpo se levanta e vai fazer o que tem de fazer. Tomo banho e não sei por que me sento para escrever essas coisas. Não aceito, não entendo, não quero. Não quero isso. Não sei, não sei como. Não quero voltar para a minha civilidade conformada. Não aceito o modelo de vida que me é dado. Não quero viver assim, não quero participar desta rede. Perdemos o nosso afeto, a capacidade de sermos afetados. Estamos cada vez mais mortos. Cada um que morre, cada atentado à vida é um atentado contra nós mesmos. Morremos mais um pouco presenciando cada tragédia. Reforçamos nosso movimento de retorno, fincamos mais nosso pé neste chão, constrói-se a naturalidade das coisas. Não quero participar de uma rede em que sei que cada ação minha é co-responsável por cada desgraça, e não quero fingir que não sei, fingir que não vejo para continuar neste caminho, manter a sobrevida. Como lidar com esta incapacidade? O que fazer com tudo isso que recebemos do mundo? Tentar reverter as situações? Tentar se salvar? Tentar esquecer? Qual é o trânsito que construo entre o macro e o micro? Como receber e ser afetado pelas macrocoisas e transformar isso em ação nas microcoisas? Qual é este trânsito? Como me insiro nestes diferentes contextos: organismo, inter-relações, comunidade, mundo. É como se a cada dia, o viver tivesse um preço cada vez mais caro e, infelizmente, nós também vamos tendo cada vez mais dinheiro suficiente para pagar tal preço. E aí? me pergunto. Quebrar o ciclo? Declarar guerra contra mim e contra tudo? Amarrar uma corda em uma árvore e em meu pescoço e pular da árvore? Movimento de retorno? Foda-se? A potência de afeto pode ser ao mesmo tempo divina e terrível. A diluição do sujeito pode ser ao mesmo tempo divina e terrível. Daqui a pouco sei que todo o arsenal teórico, filosófico, ideológico, construtor de uma possível prática, virão acalmar o meu espírito. Mas às vezes penso que por alguma razão era preferível que os vulcões explodissem, não sei por que. Termino com uma frase: A minha loucura é a minha lucidez.


Marcelo Aléssio
(ator)

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